quinta-feira, 30 de janeiro de 2020


Salpicava os olhos com os dedos. 
Não podia adormecer. Nos ramos da árvore pousava o sono. 

Os olhos queriam encostar-lhe a cabeça ao tronco. 
Começou a contar carneiros, porque virou noites e manhãs   
acordado com campos cheiinhos de carneiros. 
Cada um tinha nome, cor e um sentido.

Ouviu um estalido. Deixou os carneiros agarrados ao tronco, 
a cor do céu desaparecia, ele procurava os companheiros.

Tinha ficado de tocaia com medo da solidão.
Acabou por ser apanhado.

Cristina Isabel Santos

Desafio nº 115 – frase de Valter Hugo Mãe




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As lágrimas escorriam-lhe pelas mãos. Não tinha voz.

De repente, todas as feridas a tinham calado. Estavam coladas na garganta. Só os olhos falavam.

Não se conteve, atirou-se borda fora, enterrou os pés no chão seco, vazio, morto.

A cerca velha da quinta libertava-lhe as memórias. Memórias que lhe empurravam as feridas guardadas no estômago e ficavam atafulhadas na garganta.

Isto tudo pertencia a António. Mas António, agora, era nada, como aquele chão de terra. Seco. Morto.

Desafio nº 152 – frase de Lídia Jorge


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João esfregou as mãos. Estava nervoso.

Há dois dias perdeu a sua Alegria. E tinha aversão a perder, fosse o que fosse. 

Sentia-se feliz por nunca ter perdido nada. Na vida toda, tudo tinha sido um ganho. E, por isso, sentia-se grato.

Não houve só rosas no caminho, mas João não tinha medo dos espinhos. Tinham-lhe dado ânimo.

Esticou o queixo, orgulhoso pela terra que tinha alimentado com as mãos e os olhos, de repente, cresceram surpreendidos.

Desafio nº 45 – emoções por ordem alfabética



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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

E assim percebes que a vida também é como algodão... fofa e não te engana. Mesmo quando te puxa os “tapetes” das certezas absolutas. Acredito que esses são os momentos (ainda mais) valiosos. Porque não existem certezas absolutas. Podes descobrir que tens crenças absolutas. Mas que valem cócó quando a Vida se impõe.

Ama sinceramente. Vive (também) desenfreadamente. E não te enganes. Porque quando te enganas, quando preferes “não ver”, enganas outros e nunca sairás do mesmo sítio.

Os meus olhos não enganam, alguém me lembrou isto hoje. É verdade. Mas eu, às vezes, prefiro não ver. Até que algo dentro de mim me abre a pestana. E pode doer. Mas acredito que consigo sempre dar um passinho em frente. Sem arrependimento.
Ela não encontrava lugar para o carro
E eles tinham saído à pressa para a Urgência.
O dia, este dia, tinha começado há 48 horas.

Finalmente um buraco, moedas no parquímetro e a incredulidade no coração.

Algumas horas depois, abraçaram-se os três. Ali, ali mesmo na entrada do hospital.

Choraram de alívio.
Não morras.

O pedido chegou-lhe aos ouvidos quando o sono fechava os olhos.

Ela respondeu: não morro. - e pensou - não quero, mas não posso prometer.

Apeteceu-lhe abraçá-la e sussurrar-lhe ao coração - por favor, não queiras morrer
Ele disse-lhe:
- Ficas mais bonita com os óculos.
- Mas eu não preciso de os pôr - respondeu ela.

Quando a reencontrei na cama do hospital, surpreendida, eu exclamei:
- De óculos? Precisa de os pôr para ver a televisão?
- Não. Eu vejo bem sem eles. O meu marido é que diz que eu fico mais bonita assim.